Comecei
a ver com mais frequência na imprensa brasileira sobre a questão
dos reféns das FARC na Colômbia depois do sequestro de Ingrid
Betancourt em
23 de fevereiro de 2002.
A
ex-senadora passou seis anos e meio em cativeiro na selva colombiana
com mais outros reféns, entre eles, militares do exército
colombiano, três americanos, o também ex-senador Luís Eládio
Perez, além de Clara Rojas com quem Ingrid foi raptada.
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Manifestantes em Paris, foto de 06/03/2008 |
Em
2010, Betancourt esteve no Brasil para o lançamento de seu livro Não
há silêncio que não termine sobre
as memórias desse período. Na época, eu estava fazendo uma
disciplina no doutorado exatamente sobre memória
e testemunho,
e me perguntei várias vezes se o testemunho da ex-senadora não
representaria um conjunto maior, o das “vozes do sequestro”. Por
motivos diversos, não pude fazer meu meu artigo final com esse tema
e conclui a leitura de Não há silêncio... em
janeiro deste ano.
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Ingrid na FLIP em 2010 Foto: Lia Lubambo |
Confesso
que encontrei ali muito mais do que eu esperava em termos de
qualidade. É um livro bem escrito, literário e bem acabado. E foi
justamente isso que me chamou atenção: teria sido feito uso de um
ghost-writer?
Na busca de informações pela internet descobri que essa dúvida
não era só minha, uns afirmavam outros negavam. Foi então que
outra coisa me chamou atenção: o nome Ingrid Betancourt provocava
reações de um extremo a outro, amor e ódio.
Durante
o mês de janeiro pesquisei entrevistas, vídeos, busquei opiniões
para tentar entender a defesa e acusação da ex-senadora. Seus
companheiros de cativeiro acusaram-na de arrogante e manipuladora.
Pelas declarações de Ingrid e também nos de seus companheiros, em
entrevistas e em livros, as condições de vida dos prisioneiros era
lastimável. Como os encarcerados de uma penitenciária comum, eles
se amontoavam em espaços reduzidos. Muitas vezes, andavam e dormiam
acorrentados por dias quando tinham de se deslocar na floresta, além
de terem um tratamento humilhante
e desprezível
por parte de seus carcereiros. Uma
situação na qual todos os envolvidos tiveram sua humanidade
roubada.
Por isso, não é
surpreendente
que as relações no cativeiro fossem tensas e que, mesmo fora dele,
continuassem assim.
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Última prova de vida dos reféns em 2007 (?) |
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caricatura de Ingrid por revista francesa |
Dos
vídeos que
assisti na internet
vi
uma
Ingrid Betancourt muito
atuante na política de seu país, batendo de frente com as FARC e
com a corrupção.
Nas imagens da
última campanha
estava
misturada aos
populares, panfletando, discursando em bancos de praça. O que
mais me impressionou nesses vídeos
foi o tom da voz da ex-senadora. Uma voz pausada e certeira. Uma
pessoa de carisma invejável. Provavelmente, o que mais depôs contra
Ingrid Betancourt
foi
ter sido Ingrid Betancourt. O que esperavam dela após a libertação?
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Reféns em solo colombiano, 2008. |
Pergunto-me, depois de seis anos e meio de cativeiro, seis anos e
meio de fraturas como conciliar passado e presente? Quando Ingrid
foi libertada havia com ela alguns soldados do exercito colombiano
com mais de 10 anos de cativeiro, como é para cada um desses reféns
contar a vida a partir do dia 02 de julho de 2008? Como manter a
coerência, como entender as mudanças, a vida que passou para os
outros na ausência deles? Como entender que cada um não é mais uma
imagem congelada num cartaz, nem que a vida vai ser transmitida em
rápidos segundos num rádio de ondas curtas?
Difícil.
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Ingrid Betancourt em Paris, 2010 Foto: Emmanuel Dunand |