segunda-feira, 27 de março de 2017

FILOSOFIA POP: DESBUNDE, DZI CROQUETTES E ATIVISMO


PODCAST: FILOSOFIA POP






Murilo Ferraz, Marcos Carvalho Lopes e Carmélia Aragão recebem Handré Garcia, doutorando em literatura pela PUC do rio, mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade também pela PUC do rio, é artista bailarino filiado ao Sindicato dos Profissionais da Dança do Rio de Janeiro com experiência em Ballet Clássico e Dança Moderna, para falar sobre o Desbunde.

Contamos neste episódio com o conto “Paralelas ou A Macabéa e a Bailarina”, de Carmélia Aragão, interpretado pela atriz Maria Elisa.

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LEITURA E ÁUDIO: PARALELAS OU A MACABÉA E A BAILARINA

conto escrito para Handré Garcia

  •  Paralelas ou A Macabea e a Bailarina pertence ao o livro Para Belchior com amor (2016) organizado pelo escritor e letrista cearense Ricardo Kelmer. A coletânea reúne 14 autores que escrevem narrativas baseadas nas letras do cantor, compositor e poeta Belchior, afastado da mídia desde 2009. Belchior completa 70 anos neste mês de outubro e como homenagem surgiu o projeto "Belchior sete zero" com o lançamento da coletânea de textos. O evento aconteceu dia 07 de outubro (2016) no Theatro José de Alencar em Fortaleza. 







[ARAGÃO, Carmélia. "Paralelas ou A Macabéa e a Bailarina"in Para Belchior com amor, KELMER, Ricardo (org), 2016]

domingo, 26 de março de 2017

ENTREVISTA: DANÇA, RACISMO E ATIVISMO

Para onde vão os corpos negros que dançam?

—ENTREVISTA—


Por Carmélia Aragão




Handré Garcia, além de um grande amigo, também é bailarino e mestre em Literatura pela PUC-Rio onde atualmente iniciou seu doutorado. Handré também dá vida à Drag Queen Dorothée Odille Duplait.   Começamos a conversar no Messenger sobre dança e balé clássico. Ao reler a conversa percebi que as questões postas não diziam respeito apenas ao Handré, mas a muitos bailarinxs negros que tiveram que desistir da carreira para tomar outro rumo onde a cor e a origem não interferissem tanto na vida profissional.

Carmélia Aragão: Me diz uma coisa, de que material é feita a sapatilha da bailarina, no balé clássico? É a mesma sapatilha também para os homens?

Handré Garcia: Não, as sapatilhas de ponta [das meninas] são feitas de tecido e gesso. Os homens usam sapatilhas de meia ponta, feitas de tecido (lona, couro ou napa)

Carmélia Aragão: Não sabia!

Handré Garcia: As sapatilhas evoluíram muito com o tempo.

Carmélia Aragão: Gesso? Por isso tem uma moça [no vídeo que você me enviou] apontando a sapatilha!
[Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=7KHuDHfFApo]

Handré Garcia: Isso! É preciso apontar para ficarem ásperas e não escorregarem, enquanto a bailarina dança. No piso frio, escorrega muito. As primeiras foram feitas de madeira e até de papal marche.

Carmélia Aragão: É como o treinamento de uma gueixa.

Handré Garcia: É uma tortura, amiga! Te digo por experiência própria

Carmélia Aragão: Você usava isso? Uma “sapatilhada” é mortal, como uma arma!

Handré Garcia: Eu usei por muito tempo! Nunca tive um pé bonito, como se diz no ballet! Bailarinxs precisam ter colo de pé acentuados...

Carmélia Aragão: Eu jurava que era leve.

Handré Garcia: A sapatilha é leve. Mas é uma arma.

Carmélia Aragão: Leve com uma pedra de gesso dentro?

Handré Garcia: A ponta (onde a bailarina sobe) é toda de gesso.

Carmélia Aragão: estava pensando em você porque queria escrever sobre um personagem que faz balé e você apareceu na hora com esse vídeo sobre sapatilhas! Bicha, tu é sensitiva!

Handré Garcia: Sou pisciana, quiridã! Esqueceu? Pois bem, no doutorado, além de construir uma ficção, quero montar uma série de coreografias/performances que estejam ligadas ao trânsito de corpos trans pela cidade.

Carmélia Aragão: Você ainda tem suas sapatilhas?  

Handré Garcia: De ponta?

Carmélia Aragão: Sim.

Handré Garcia: Tenho. Estão surradas; perdidas aqui nas minhas coisas

Carmélia Aragão: Depois me manda uma foto! PRECISO!!!

Handré Garcia: Nem sei se consigo subir. Muito tempo sem aula. Ano que vem, quero voltar. Vou voltar. Preciso, por conta da pesquisa.

Carmélia Aragão: Até eu quero fazer. Mas não sei pra onde vai balé.

Handré Garcia: [ele me envia um link com a anatomia da sapatilha de ponta]

Carmélia Aragão: Estava vendo no vídeo, os bailarinos se alongando e pensei: preciso disso pra minha vida  

Handré Garcia: É uma delícia! A dança é algo espiritual! Minha grande mestra Hortência Móllo me fez ver a dança desse jeito. Falo dela e me emociono.

Carmélia Aragão: Onde você fazia dança?  

Handré Garcia: Ballet Dalal Achcar

Carmélia Aragão: Onde fica, filha?
 

Handré Garcia: Gávea. Mas, na época, tinha unidade em Madureira. Eu era aluna desta unidade. Com os mesmo professores e a mesma metodologia usada na Gávea.

Carmélia Aragão: Como você fez pra entar? Teste? Bolsa?Quem te levou pra lá?

Handré Garcia: Eu tinha bolsa. Na época, eu queria fazer aula e, na ocasião da inauguração do Teatro Odilo Costa, Filho, vi uma matéria no RJ TV sobre o evento e a dona Dalal foi entrevistada. Na hora, tive um estalo! Escrevi para a bonita, pedi uma oportunidade para realizar o meu sonho de ser bailarina. Me ofereci para pagar as aulas com trabalhos de serviços gerais, em troca de aula. Mandei a carta e, uma semana depois, me chega um telegrama.

Carmélia Aragão: Como foi lá?

Handré Garcia: Quando cheguei à escola (um luxo de academia), a secretária já conhecia a minha história e me disse que a dona Dalal se sentiu muito tocada pela minha carta e me daria uma bolsa integral para eu realizar meu sonho.

Carmélia Aragão: Que bonito!!! Você era a única negra lá?  

Handré Garcia: Uma das únicas

Carmélia Aragão: Nossa! Mesmo em Madureira?

Handré Garcia: Sim, éramos poucas...Mensalidades caríssimas...Valores de Zona Sul.

Carmélia Aragão: Então fechou logo e você foi pra Gávea?  

Handré Garcia: Não, fiquei por 9 anos em Madureira. Fazia cursos de férias na Gávea.
 
Carmélia Aragão: Então você era boa

Handré Garcia: Eu era esforçada, amiga!Tudo que mais fiz nessa vida foi esforço! Fiz e faço! Depois de 10 anos em Madureira, a unidade fechou

Carmélia Aragão: Guerreira! Mas você deu aula, porque de vez em quando vejo alguém dizendo que foi seu aluno.

Handré Garcia: Sofrida, mas guerreira, como a mãe loira (Verônica Costa)

Carmélia Aragão: [risos]

Handré Garcia: Percebendo que não seria muito bem absorvida por esse mundo preconceituoso do ballet, minha grande mestra Hortência Móllo foi me direcionando para o ensino do ballet. Ela dizia que eu tinha um potencial enorme e que seria excelente professora. Fui seguindo os conselhos dela e, quando menos esperava, estava dando aula pelas academias da vida.

Carmélia Aragão: Ela ainda é viva?

Handré Garcia: Não, morreu de câncer no pulmão.

Carmélia Aragão: Que triste... E dança contemporânea você chegou a fazer?  

Handré Garcia: Sim. Na Dalal, estudei balé, jazz, sapateado e flamenco, mas me faltava algo. Sentia isso.

Carmélia Aragão: Que você acha que era? Você se sentia insegura, sentia medo?

Handré Garcia: Me sentia incompleta. Não me sentia totalmente livre e queria experimentar outras linguagens.

Carmélia Aragão: Ahhh...Você acha que a Dorothée [personagem feminino de Handré] te traz mais conforto pra poder voltar a dançar? Ela te completa?
  
Handré Garcia: Como sempre fui amigo dxs professorxs, conversei com uma professora de Jazz e manifestei a ela a minha vontade de fazer algo diferente. A mona me conseguiu uma bolsa para fazer aula numa academia em Copa. Lá, conheci a dança moderna e me encantei

Carmélia Aragão:  E Dorothée, ela já dançou?  

Handré Garcia: Sim. Já dancei de Dorothée em  Fortaleza. Acho que a Dorothée é a bailarina que vi em muitas amigas de turma e de espetáculos que dancei. A Dorothée é algo meio Trocadero de Monte Carlo.

Carmélia Aragão: Amiga, você tem uma história linda!