quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

OS BASTIDORES: O QUE A GENTE ESCREVE ANTES DE ESCREVER


  HELENA


Caiu nas mãos do poeta Augusto Frederico Schmidt, assessor no governo JK, um surpreendente relatório de prestação de contas do município de Palmeira dos índios –AL. Reza a lenda que o autor do relatório recebeu uma solicitação urgente do poeta para que lhe fosse enviado o romance que este estaria guardando. E foi assim que Graciliano Ramos saiu da gaveta. 
Com Helena em Cerro, dia 09/12/2014. (Nossa única foto, acho)

Mais de 50 anos depois, eles não sabem, não há mais tempo para tanto. Não há mais tempo para tecer um começo.  Meu assunto com Helena era apenas um Sim ou Não. Enviei-lhe um email no dia 13 de janeiro, perguntando se ela poderia me orientar no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, no caso, Uruguai, e junto seguiram meu currículo e um artigo. Ela me respondeu. No dia seguinte. Então: (re)conheci Helena. Agora estou há cinco meses com ela aqui, em Montevidéu. Também estou a duas semanas de voltar para casa. E sei, sinceramente, que seria melhor para ambas, se eu iniciasse esse texto como deveria ser: uma resenha sobre o romance de Helena. Mas cada letra escrita me faz pensar que tenho o poder de multiplicá-la Escrevendo infinitamente histórias de começos. De escritores. De gente apenas. Helena, estou há dias tentando colocar toda areia do Mar Del Plata numa garrafinha pet. 




segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

LITERATURA CONTRA TRANSFOBIA: ROMANCE DE PROFESSORA URUGUAIA SOBRE TRANSEXUAIS- DICA PARA TRADUZIR

A SU IMAGEN Y SEMEJANZA
RESENHA

Carmélia Aragão

Publicado em Montevidéu, 2006.
Levado pelo primo, Gabriel, então com nove anos, foi ao mercadinho comprar legumes para o jantar. Já era meio tarde e, por isso, ele pode ver a sombra de umas mulheres enormes insinuando-se debaixo de uma palmeira. O primo riu da cara admirada de Gabriel, pois ele ainda parecia não saber que aquelas mulheres, antes, viviam compulsoriamente como homens.  Para quem milita no movimento LGBT a atitude de espanto e admiração do garotinho de nove anos, pela primeira vez, diante de uma mulher trans e a intervenção preconceituosa e machista do primo mais velho fazem parte do discurso disseminador da transfobia.

No vídeo de dedicado a este tema com uma das maiores ativistas trans do Brasil, Daniela Andrade, divulgado no Youtube pelo Canal das Bee (projeto endossado pela PUC-SP), os apresentadores Jéssica Tuane e Vitor Larguesa divulgam dados alarmantes de casos de homicídios por transfobia no Brasil. Em 2011, por exemplo, 101 pessoas foram assassinadas por serem transexuais ou travestis. No mesmo período, no mundo todo – completa Jéssica – foram 248 pessoas. Ou seja, o Brasil corresponde a 40,7% dos dados mundiais em homicídios de pessoas trans. De 2008 a 2011, foram mais 325 assassinatos segundo a base de dados na América Latina. No entanto, Daniela Andrade nos chama atenção para a subnotificação desses dados, pois tanto as organizações que atuam na área LGBT como a mídia englobam os crimes por transfobia como crimes por homofobia, o que é bastante diferente. A começar, por exemplo, pela expectativa de vida da população trans no Brasil, que tem uma média de vida de 30 anos contra todo o resto da população brasileira que tem uma expectativa de 78 anos.  Outro dado alarmante que a ativista nos traz é sobre a fonte de renda deste grupo no qual 90% vive da prostituição, o que o deixa ainda mais vulnerável à violência.

Ao escrever sobre determinado período de sua vida, é Gabriel, aquele menino de nove anos, agora já adulto, quem nos vai descortinando os jogos de linguagem que o mundo nos impõe rumo ao lugar comum e que, na verdade, apenas dão margem à violência verbal e física contra as travestis e transexuais. A percepção de Gabriel sobre esse grupo muda completamente, quando aos 21 anos, concluindo a faculdade de letras, com problemas financeiros, aceita uma proposta de trabalho para ser tradutor em uma ONG dirigida por travestis e transexuais, na Associação Trans do Uruguai/ATRU, na calma e pacata, porém não menos preconceituosa Montevidéu dos anos dois mil.

Na verdade, Gabriel é uma criação da escritora Helena Modzelewski que realmente esteve na situação de seu protagonista no livro A su imagem y semejanza lançado pela editora Doble Click, em 2006 em Montevidéu. Depois de concluir seu trabalho como tradutora para a ATRU, Helena juntou as histórias que ouviu durante esse período e as transformou em relatos ficcionais para trabalhar com mais liberdade a questão da transfobia. E, apesar de terem se passado quase 10 anos entre a publicação do livro de Helena e o vídeo da Daniela Andrade com o qual fazemos contraponto, podemos verificar que as formas de violência expostas pela ativista no Brasil e as formas de violência discutidas pela escritora  e vivenciados pelas travestis e transexuais do Uruguai, infelizmente são as mesmas, independente do tempo e do lugar.

O livro tem início com Gabriel, no presente, recordado a visão indiferente que tinha para com as travestis que trabalhavam no Bulevar Artigas.A primeira imagem construída pelo personagem coloca-nos diante de uma vitrine, ou ainda, o ônibus e o vidro da janela pela qual Gabriel as observa, pode também nos passar sensação de que o transporte é uma cápsula protetora que separa as “pessoas normais” daqueles “seres” que viviam em um mundo perigoso e completamente insignificante às nossas vidas:

  Nunca havia visto um desses de perto. Quando voltava para casa, todas as noites, no 185. Eu os observava avançando ostentosamente sobre os carros que dobravam no Bulevar Artigas, diminuindo a marcha para mirá-los, com suas formas sinuosas e vestes extravagantesTodos os dias, eu fazia esse trajeto, voltando para casa em Paso Molino, quando saía do trabalho no instituto de inglês que ficava perto do Edifício da Liberdade. Eu sempre voltava tão exausto que quando os olhava, na verdade, não pensava em nada.  Para mim, eles estavam ali.  E eram, simplesmente, parte da paisagem[1]

Entre a narrativa passada, que vai se desenrolando na voz do presente trazida por Gabriel, o livro é atravessado pelas histórias de vida das transexuais, como a intolerância da família, que culmina sempre na expulsão de casa. A intolerância da escola, bem como das demais instituições, principal responsável pela falta de qualificação das pessoas trans e que as jogam, automaticamente, para o mercado sexual. E a solidão e a violência que enfrentam por estarem sempre à mercê de estranhos. Esses capítulos então trazem o nome dessas mulheres que, algumas vezes, vão se repetindo. As protagonistas são: Aurora, Karin, René, Tormenta/Antonia e Fernanda. E há também dois capítulos intitulados com nome de dois homens cis, também: Ángel e Gabriel.

Essa sobreposição de narrativas são pontos que se cruzam para formar um texto (ou um tecido) maior que é a grande narrativa: o encontro de Gabriel consigo mesmo, o anúncio e a aceitação de sua identidade sexual para seus familiares e amigos, e sua luta na causa LGBT, agora como indivíduo pertencente a essa comunidade. Com esse tecido textual montado, a autora Helena Modzelewski ao final, nos apresenta um quadro onde os personagens do presente e do passado se encontram para traçar um futuro, não mais amargo, mas, sim, cheio de esperança  como no capítulo Waterloo.

Esse capítulo, de início, aparece como uma canção do grupo Abba, É uma passagem em que os personagens masculinos terão que interpretar para uma apresentação de concurso. No entanto, Gabriel precisa para seu leitor que Waterloo significa mais que uma canção, significa: palavras. Diz o personagem: 

Que Nopoleão, o imperador, invencível nunca havia perdido uma batalha, até que finalmente foi derrotado na Batalha de Waterloo e que, por sua vez, estava sendo cantada com alegria pelas vozes das intérpretes do Abba, e que tocavam, profundamente, minhas fibras interiores que, até agora, permaneciam atrofiadas. (...) uma história que se assemelhava ao destino do compositor: submeter-se, entregar-se a um amor que, resistindo a tudo, termina, finalmente, derrotado. Curiosamente, era um fracasso cantado com euforia, uma perda experimentada como uma vitória, um padecimento sobrelevado com prazer. Certamente, não era essa a maneira com a qual Napoleão havia encarado e vivido sua derrota, porém, a canção se referia a “invencibilidade vencida” de um lutador que, por fim, se havia submetido[2].

Ao  aceitar-se, Gabirel, vê em Waterloo a luta que travou contra si mesmo e de que, como essa derrota, representava para ele sua salvação e seu renascimento. Talvez sejam essas páginas, ou melhor,  esses, os fios mais bonitos que a autora dispõe.  Eles estão completamente soltos, ao azar, no meio da trama. São páginas sem nome, sem indicação de capítulo e cujo narrador encontra-se diluído no pretérito imperfeito, quer dizer, em um tempo imperfeito, em que não há passado, nem presente e nem futuro, e onde o leitor sente-se também suspenso, ou diluído, neste tempo angustiante e aprisionador que, mais adiante, se revela como o tempo interior de Gabriel.

Os recursos literários de Helena Modzelewski são, inteiramente, maduros e calculados. Ela mostra aos críticos que sabe muito bem o que é literatura enquanto peça de um jogo, à Cortazar, enquanto linguagem e enquanto engajamento. O que talvez seja mais belo em sua narrativa é que, como escritora, em nenhum momento esquece-se de dizer ao seu leitor que literatura é, sobretudo, vida. E que aqueles que estão em seu livro também vivem, pulsantes, ao nosso lado.

Com certeza, para somar-se aos nossos esforços e mobilização contra o preconceito, a homofobia e a transfobia, a tradução de A su imagen y semejanza (2006) seria de grande importância para informação e formação de nossas novas gerações. Além de ser uma excelente obra literária.


Para conhecer um pouco mais sobre Helena Modzelewski:


Links consultados durante a escrita desta resenha:

Video contra transfobia no Canal das Bee (PUC-SP): 

Para entender gêneros e transfobia:
http://www.semanaon.com.br/coluna/5/1688/para-entender-generos-e-transfobia

Matéria da Carta Capital sobre a denominação de artigo para as travestis:

Notícias das pela mídia:

Meninos do Colégio Pedro II vão à escola de saia em apoio à colega transexual:

Parlamentares propõem pensão especial para travestis na Argentina:




[1] Tradução minha, página 7.
[2] Tradução minha, p.179-180

domingo, 7 de dezembro de 2014

Proposta de tradução: A su imagen y semejanza (2006)



Carmélia Aragão



Publicado em Montevidéu em 2006, 
Levado pelo primo, Gabriel, então com nove anos, foi ao mercadinho comprar legumes para o jantar. Já era meio tarde e, por isso, ele pode ver a sombra de umas mulheres enormes insinuando-se debaixode uma palmeira. O primo riu da cara admirada de Gabriel, pois ele ainda parecia não saber que aquelas mulheres, antes, viviam compulsoriamente como homens.  Para quem milita no movimento LGBT a atitude de espanto e admiração do garotinho de nove anos, pela primeira vez, diante de uma mulher trans e a intervenção preconceituosa e machista do primo mais velho fazem parte do discurso disseminador da transfobia.

No vídeo de dedicado a este tema com uma das maiores ativistas trans do Brasil, Daniela Andrade, divulgado no Youtube pelo Canal das Bee (projeto endossado pela PUC-SP), os apresentadores Jéssica Tuane e Vitor Larguesa divulgam dados alarmantes de casos de homicídios por transfobia no Brasil. Em 2011, por exemplo, 101 pessoas foram assassinadas por serem transexuais ou travestis. No mesmo período, no mundo todo – completa Jéssica – foram 248 pessoas. Ou seja, o Brasil corresponde a 40,7% dos dados mundiais em homicídios de pessoas trans. De 2008 a 2011, foram mais 325 assassinatos segundo a base de dados na América Latina. No entanto, Daniela Andrade nos chama atenção para a subnotificação desses dados, pois tanto as organizações que atuam na área LGBT como a mídia englobam os crimes por transfobia como crimes por homofobia, o que é bastante diferente. A começar, por exemplo, pela expectativa de vida da população trans no Brasil, que tem uma média de vida de 30 anos contra todo o resto da população brasileira que tem uma expectativa de 78 anos.  Outro dado alarmante que a ativista nos traz é sobre a fonte de renda deste grupo no qual 90% vive da prostituição, o que o deixa ainda mais vulnerável à violência.

Ao escrever sobre determinado período de sua vida, é Gabriel, aquele menino de nove anos, agora já adulto, quem nos vai descortinando os jogos de linguagem que o mundo nos impõe rumo ao lugar comum e que, na verdade, apenas dão margem à violência verbal e física contra as travestis e transexuais. A percepção de Gabriel sobre esse grupo muda completamente, quando aos 21 anos, concluindo a faculdade de letras, com problemas financeiros, aceita uma proposta de trabalho para ser tradutor em uma ONG dirigida por travestis e transexuais, na Associação Trans do Uruguai/ATRU, na calma e pacata, porém não menos preconceituosa Montevidéu dos anos dois mil.

Na verdade, Gabriel é uma criação da escritora Helena Modzelewski que realmente esteve na situação de seu protagonista no livro A su imagem y semejanza lançado pela editora Doble Click, em 2006 em Montevidéu. Depois de concluir seu trabalho como tradutora para a ATRU, Helena juntou as histórias que ouviu durante esse período e as transformou em relatos ficcionais para trabalhar com mais liberdade a questão da transfobia. E, apesar de terem se passado quase 10 anos entre a publicação do livro de Helena e o vídeo da Daniela Andrade com o qual fazemos contraponto, podemos verificar que as formas de violência expostas pela ativista no Brasil e as formas de violência discutidas pela escritora  e vivenciados pelas travestis e transexuais do Uruguai, infelizmente são as mesmas, independente do tempo e do lugar.

O livro tem início com Gabriel, no presente, recordado a visão indiferente que tinha para com as travestis que trabalhavam no Bulevar Artigas.A primeira imagem construída pelo personagem coloca-nos diante de uma vitrine, ou ainda, o ônibus e o vidro da janela pela qual Gabriel as observa, pode também nos passar sensação de que o transporte é uma cápsula protetora que separa as “pessoas normais” daqueles “seres” que viviam em um mundo perigoso e completamente insignificante às nossas vidas:

  Nunca havia visto um desses de perto. Quando voltava para casa, todas as noites, no 185. Eu os observava avançando ostentosamente sobre os carros que dobravam no Bulevar Artigas, diminuindo a marcha para mirá-los, com suas formas sinuosas e vestes extravagantes. Todos os dias, eu fazia esse trajeto, voltando para casa em Paso Molino, quando saía do trabalho no instituto de inglês que ficava perto do Edifício da Liberdade. Eu sempre voltava tão exausto que quando os olhava, na verdade, não pensava em nada.  Para mim, eles estavam ali.  E eram, simplesmente, parte da paisagem[1]

Entre a narrativa passada, que vai se desenrolando na voz do presente trazida por Gabriel, o livro é atravessado pelas histórias de vida das transexuais, como a intolerância da família, que culmina sempre na expulsão de casa. A intolerância da escola, bem como das demais instituições, principal responsável pela falta de qualificação das pessoas trans e que as jogam, automaticamente, para o mercado sexual. E a solidão e a violência que enfrentam por estarem sempre à mercê de estranhos. Esses capítulos então trazem o nome dessas mulheres que, algumas vezes, vão se repetindo. As protagonistas são: Aurora, Karin, René, Tormenta/Antonia e Fernanda. E há também dois capítulos intitulados com nome de dois homens cis, também: Ángel e Gabriel.

Essa sobreposição de narrativas são pontos que se cruzam para formar um texto (ou um tecido) maior que é a grande narrativa: o encontro de Gabriel consigo mesmo, o anúncio e a aceitação de sua identidade sexual para seus familiares e amigos, e sua luta na causa LGBT, agora como indivíduo pertencente a essa comunidade. Com esse tecido textual montado, a autora Helena Modzelewski ao final, nos apresenta um quadro onde os personagens do presente e do passado se encontram para traçar um futuro, não mais amargo, mas, sim, cheio de esperança  como no capítulo Waterloo.

Esse capítulo, de início, aparece como uma canção do grupo Abba, É uma passagem em que os personagens masculinos terão que interpretar para uma apresentação de concurso. No entanto, Gabriel precisa para seu leitor que Waterloo significa mais que uma canção, significa: palavras. Diz o personagem: 

Que Nopoleão, o imperador, invencível nunca havia perdido uma batalha, até que finalmente foi derrotado na Batalha de Waterloo e que, por sua vez, estava sendo cantada com alegria pelas vozes das intérpretes do Abba, e que tocavam, profundamente, minhas fibras interiores que, até agora, permaneciam atrofiadas. (...) uma história que se assemelhava ao destino do compositor: submeter-se, entregar-se a um amor que, resistindo a tudo, termina, finalmente, derrotado. Curiosamente, era um fracasso cantado com euforia, uma perda experimentada como uma vitória, um padecimento sobrelevado com prazer. Certamente, não era essa a maneira com a qual Napoleão havia encarado e vivido sua derrota, porém, a canção se referia a “invencibilidade vencida” de um lutador que, por fim, se havia submetido[2].

Ao  aceitar-se, Gabirel, vê em Waterloo a luta que travou contra si mesmo e de que, como essa derrota, representava para ele sua salvação e seu renascimento. Talvez sejam essas páginas, ou melhor,  esses, os fios mais bonitos que a autora dispõe.  Eles estão completamente soltos, ao azar, no meio da trama. São páginas sem nome, sem indicação de capítulo e cujo narrador encontra-se diluído no pretérito imperfeito, quer dizer, em um tempo imperfeito, em que não há passado, nem presente e nem futuro, e onde o leitor sente-se também suspenso, ou diluído, neste tempo angustiante e aprisionador que, mais adiante, se revela como o tempo interior de Gabriel.

Os recursos literários de Helena Modzelewski são, inteiramente, maduros e calculados. Ela mostra aos críticos que sabe muito bem o que é literatura enquanto peça de um jogo, à Cortazar, enquanto linguagem e enquanto engajamento. O que talvez seja mais belo em sua narrativa é que, como escritora, em nenhum momento esquece-se de dizer ao seu leitor que literatura é, sobretudo, vida. E que aqueles que estão em seu livro também vivem, pulsantes, ao nosso lado.

Com certeza, para somar-se aos nossos esforços e mobilização contra o preconceito, a homofobia e a transfobia, a tradução de A su imagen y semejanza (2006) seria de grande importância para informação e formação de nossas novas gerações. Além de ser uma excelente obra literária.


Para conhecer um pouco mais sobre Helena Modzelewski:


Links consultados durante a escrita desta resenha:

Video contra transfobia no Canal das Bee (PUC-SP): 

Para entender gêneros e transfobia:
http://www.semanaon.com.br/coluna/5/1688/para-entender-generos-e-transfobia

Matéria da Carta Capital sobre a denominação de artigo para as travestis:

Notícias das pela mídia:

Meninos do Colégio Pedro II vão à escola de saia em apoio à colega transexual:

Parlamentares propõem pensão especial para travestis na Argentina:




[1] Tradução minha, página 7.
[2] Tradução minha, p.179-180

sábado, 27 de setembro de 2014

AO ACORDAR




Você, o vovô e os sete netos.



Hoje pela manhã, talvez eu tivesse oito ou nove anos. Escutei sua voz. Ela veio vindo. O sol cor de rosa entrava pelas telhas. Eu sabia como ele estava lá fora, mas eu queria dormir. Mais um pouco. Veio o cheiro do café. O bater da caneca de alumínio. Você ria. Não era só você. Era o riso da mãe. O riso do tio. O tio que cheirava a motor e a poeira da estrada de terra. Da casa velha que não vivi. Hoje pela manhã, quando abri os olhos. Era você. Tenho certeza.

Montevideo 27/09/2014
Um ano e dois meses

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Devaneios de pesquisadora


CHICO BUARQUE , OS JOVENS INFRATORES DA COLONIA BERRO, ANTES QUE O MURO DESABE SOBRE AS INTERTEXTUALIDADES DE CÁLICE POR CRIOLO  E ALGUMAS PALAVRAS PARA MEU AMOR.

Para Marcos e Helena.

 O quanto Chico Buarque representa para nós. É inegável. Mas às vezes, o velho novo Chico me parece muito chato. Me aborrece. Não pelo artista em si, mas pelo séquito que o segue. Chico se tornou artigo de luxo. E para muito poucos. Já faz alguns anos que fui a um show dele, na plateia, no fundão, porque um primo meu – médico – pôde me ajudar a pagar o ingresso. Era só cheiro de uísque e perfume francês. Além da gritaria das socialites histéricas. Não lembro mais o nome da casa de show onde Chico se apresentou – nem sei se existe ainda.  Mas ficava num bairro bem crítico de Fortaleza-CE – de quem sempre recebo péssimas notícias desde que nos separamos em 2009 – Aliás,  não se consegue chegar ao título de 7ª capital mais violenta do mundo, de uma hora pra outra, há que se ter muito empenho do poder público – Mas, voltando ao assunto: o velho novo Chico cantou músicas novas, à época, e algumas canções do Chico jovem. Nada muito relevante.  Por que o que quero falar vem exatamente neste momento no fim do show. Quando deixamos a segurança dos muros do clube. Do lado de fora, não éramos mais que ratinhos brancos observados pelas luzes do feroz gato que era aquele bairro. Estava instaurado o desespero para buscar o carro no estacionamento. Antes que. Confesso que senti muito medo. Ainda hoje tenho. Tanto medo. E muitas vezes, evito sair à rua, de dia, de noite, sozinha. E quando o faço, é sempre correndo. Antes que.


Ponderei muito, quando Helena, minha orientadora daqui, me propôs uma investigação junto à ONG ProCul – os uruguaios se riem muito dessa sigla – mas tamanho foi meu nervosismo e seriedade que  nem me atentei para o escatológico –  e lhe devo ter enviado muitos emails com mil justificativas. Até que ela, finalmente, escreveu: Tú no vas a entrar a la cárcel. Sim, a ONG trabalha com menores em privação de liberdade na Colônia Berro, aqui em Montevidéu. Ela marcou uma entrevista com o Mario Villagrán, um dos fundadores.

Desde que “políticas públicas” passou a fazer parte do meu vocabulário, só tenho me deparado com esse muro grande e cinzento que nos encerra. A todos. Aos que, como eu, querem viver em paz, tranquilos e livres. Aos que por algum motivo, sempre ignorado por nós, tiveram que ser encerrados nele, para o bem de todos.  E durante a pesquisa que  fazia para qualificação, ainda no Rio, no início do ano, dois fatos que me chocaram bastante vieram à tona na grande mídia: o vídeo dos presos decapitados durante uma rebelião na Penitenciária de Pedrinhas-MA; e a foto do jovem negro amarrado ao poste pelos justiceiros da classe média carioca residente no bairro do Flamengo.  Esses dois acontecimentos acenderam nos brasileiros comuns de classe média – estrato social ao qual pertenço e, por isso, acompanho – a antiga discussão: devemos ou não nos preocupar com a barbárie, afinal, a matança ocorreu entre presos, na maioria, pretos e pobres tal qual o jovem que amarraram ao poste.

Uma coisa é você dizer que faz DOUTORADO nas mesas de congressos, nas salas de visita, pros amigos da sua mãe. É você dizer que estuda políticas públicas que envolvem a leitura com ênfase no texto literário.  A outra coisa vem logo em seguida. Todos se olham – inclusive você mesmo – e se perguntam: Mas para quê?

Tenho me deparado teorias brilhantes acerca de políticas públicas. Tenho conhecido, ou pessoalmente ou por meio de textos, pessoas com história de vida inteiramente dedicada ao Outro. Seja no poder público, na Academia, no asfalto, no morro, nas quebradas, no sertão e, o que mais me espanta, é que elas me respondem, sem que eu pergunte, “para quê?”. E a resposta nunca é dita verbal e literalmente, em um idioma qualquer. Mas simplesmente respondem.

Da conversa com Mário, ontem, mesmo sob o jargão de quem trabalha imerso no sistema penal, embora não fazendo parte dele. E me dizia “para quê” cada vez que buscava o ar para entabular a nossa maratona de perguntas. Helena e eu nos olhávamos cúmplices, com eurekas nos olhos, encaixando nossas investigações teóricas as suas palavras pulsantes. Um músico de meia-idade, cansado, muito cansado, mas ainda rindo e se emocionando, ao recontar aquelas histórias de quem vive todo dia, lado a lado,  com os meninos e meninas, encarcerados na Colonia Berro.

No entanto, o que eu consigo responder para mim? Até onde acredito no que digo a mim mesma? Nesse percurso, uma jovem, menor de idade, usuária de crack, sozinha, ou acompanhada, assassinou meu sogro. A pessoa com quem divido minha vida perdeu o pai. Assim. O mais irônico é que foi o Marcos, meu namorado, quem me mostrou o texto sobre a morte do traficante Marcinho VP, em Cabeça de Porco, e me chamou atenção para a forma como o professor Luiz Eduardo Soares, no livro, transformava-o em Márcio Amaro de Oliveira, um homem de trinta e poucos anos, que apesar de ter cometidos crimes horríveis, era uma pessoa que tinha algo a dizer, mas não disse, por não poder transgredir a uma única lei inviolável: não serás outro (para que eu permaneça o que sou).

Sempre ouvi Marcos a falar, com muita poesia, sobre Rorty e a redescrição. Ela é algo como um direito ou uma capacidade que temos de nos recriar a partir da linguagem, a partir da literatura, mudando assim, a forma de vermos o mundo ou o mundo nos vê. É o que faz Luiz Eduardo ao chamar Márcio para o diálogo. Para que ele e nós tivéssemos a chance de redescrever aquela situação de ódio. Mas não conversamos sobre isso. Não sobre redescrição. Mas sobre essa dor, sobre a perda de seu pai, sobre essa morte tão inexplicável como a dor que sente agora. E que nunca vou saber como é. E me ponho ao seu lado, como sempre, mas um pouco afastada, para não doer. Por cuidado e por medo. E, por mais que eu tente, não consigo enxergar essa jovem sob um horizonte redescrito.

Por isso, e outras tantas coisas que não consigo escrever aqui, que não é fácil ouvir todos os dias esse resposta que continuo a buscar. Não porque a ignoro. De forma alguma. Foi na conversa com Mario que me lembrei de todas essas coisas  presente ou passado – Inclusive, foi ele quem me fez lembrar o Chico hoje, o Chico jovem da Ópera do Malandro para que eu tivesse uma vaga ideia de como tinha sido a murga que ele havia montado com os jovens infratores e que, ainda por cima, levou um prêmio em um festival de murgas, aqui no Uruguai.  Na hora, tive vontade de falar desse show do novo velho Chico que fui, da chatice que são as socialites histéricas e do final, quando saímos todos correndo a procurar os carros, antes que.

 No entanto, o que contei a Mário foi outra história, a de um lugar igualmente estranho e petrificante, onde de um lado, na margem esquerda de um rio, há uma biblioteca pública, mas as pessoas, do outro lado, da margem direita, moradoras de um bairro marginalizado, talvez não pudessem entrar.  Por que não é bem o rio que corta o acesso a esse prédio público. É esse ar de espanto quando fazemos e olhamos ao redor. Antes que. O muro está logo ali.

***
Chico Buarque e o rapper Criolo.
Ainda sobre o Chico, resolvi transcrever para que, depois quem sabe, em outro momento, eu possa falar sobre as intertextualidades de Cálice e a discussão política que Criolo fez ao atualizar/ homenagear a letra do Chico com um rap, também chamado Cálice. E tem também, a resposta do Chico juntando as duas versões.


Vídeo:




Criolo:
Como ir pro trabalho sem levar um tiro?/Voltar pra casa sem levar um tiro?/ Se às 3h da matina tem alguém que frita/ E é capaz de tudo pra manter sua brisa?// Os saraus tiveram que invadir os botecos/ Pois biblioteca não é lugar de poesia/ Biblioteca tinha que ter silêncio/E uma gente que se acha assim muito sabida// Há preconceito com o nordestino/ Há preconceito com o homem negro/ Há preconceito com o analfabeto/Mas não há preconceito se um dos três for rico.// A ditadura segue, meu amigo, Milton/ A repressão segue, meu amigo Chico/ Me chamam Criolo, o meu berço é o rap/ Mas não existe fronteira pra minha poesia.// Pai, afasta de mim  a biqueira/ Pai, afasta de mim as biate/ Pai, afasta de mim a cocaine/ Pois na quebrada escorre sangue.
Chico:
Gosto de ouvir o rap/ o rap da rapaziada// Um dia vi uma parada assim no youtube/E disse: ‘quius’pariu, parece o Cálice/ Aquela cantiga antiga minha e do Gil!/ Era se o camarada me dissesse:/ Bem vindo ao Clube, Chicão, bem vindo ao Clube/ Valeu, Criolo Doido/ Evoé, jovem artista!/ Palmas pro refrão do Doido, o rapper paulista:// “Pai, afasta de mim a biqueira/ Pai, afasta de mim as biate/ Pai, afasta de mim a cocaine/ Pois na quebrada escorre sangue”// Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ de vinho tinto de sangue.

Montevideo, 24 de setembro de 2014.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Recuerdos: Otávio e Ângelo

Ângelo e Otávio em Buenos Aires.
Arquivo surrupiado do facebook.
Me perdoem.


Otávio e Ângelo. Conheci-os no hostel. E necessariamente nesta ordem. Era agosto. Noite fria de desesperar. Otávio tocava e cantava ao violão: "Como se fosse a primavera", uma versão dele próprio. E Ângelo, carioca da gema, gostava de músicas nordestinas. Luiz Gonzaga, Lenine, Geraldo Azevedo. Seguiram viagem. Não sei se já chegaram ao Brasil. Hoje, a primavera começou aqui. Lembrei muito de vocês. E cantei.




Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera 
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
De seu rosal principal

(Pablo Milanés;Nicolás Guillen; Chico Buarque)

Montevideo, 22/09/2014

Da cozinha









Há no Brasil, ou pelo menos entre minha gente, a expressão “como se fosse da cozinha” para identificar que alguém é amigo íntimo. Talvez Javier não saiba. Mas desconfio que deixei o status de cliente. Na semana passada por duas vezes. Entrei no restaurante e estava totalmente escuro. Achei que poderia estar presa no tempo como uma louca. Ou que Javier não havia colocado a placa de cerre. Não estava louca. Ele me gritou da mesa ao fundo onde comia com os empregados. No te vajas, Carmelia, no esta cerrado.  É que já eram umas três da tarde, embora ele fechasse às quatro, não havia mais entrado ninguém e estavam comendo. Dois rapazes jovens e uma moça. O cozinheiro, o ajudante de cozinha, garçonete e o dono. Almoçamos juntos. Todos. Dois dias depois, não lembro bem, consegui chegar no horário maior movimentado da casa. Até senti alívio em não ser notada. Se não fosse, Paco, o ajudante, ter colocado no som Por enquanto na voz da Cássia Eller. Do balcão, ele me sinalizava na frente dos outros. Ri. Eu só poderia rir e agradecer. Conclusão: se não “sou da cozinha”, pelo menos a cozinha quer me adotar. 

Montevideo 22/09/2014
Início da primavera

domingo, 14 de setembro de 2014

Only 3 minutes, please...



Este lugar possui o ruído de todos os lugares por onde passei. É um apartamento de um cômodo apenas, nos fundos, na planta baixa, cercado de muros. Ele possui a dimensão particular aos sonhos; não precisa de porta para entrar, estrada para andar, nem escada para subir. Neste lugar tudo existe ao mesmo tempo. Quando cai a noite, escuto meu pai a procurar a comida interdita nos armários. Ouço os passos das freiras pelos corredores a verificar as luzes e o nosso sono.  Aqui, os objetos caem na mesma frequência que os gatos correm pelos cômodos a derrubar os frascos de perfume, os jarros de flores, os livros das estantes. Não creio que sejam essas quatro paredes brancas e solitárias de objetos. Não creio que sejam a posição dos móveis, os poucos que repartem o ambiente. Creio que seja o silêncio que tudo isso é capaz de provocar. Ou o único quadro exposto na parede. Uma telefonista congelada usando um enorme chapéu com plumas a pedir only 3 minutes, please. Mas ela nunca fala.

Montevideo, 13/09/2014

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A PRIMEIRA CASA


Eugenia, Erika e Arns in Pocitos Hostel.



Fui andar. Esticar as pernas. No caminho atravesso a Av. Sarmiento. De longe, avistei o Hostel, minha tumultuada casa da primeira semana. Talvez nem lembrem mais de mim, as pessoas tem memória curta. Na saída do supermercado, encontro Erika, a colombiana, que logo se pôs me perguntar pelas coisas como se fossem ontem. Ia ao hostel ver Eugenia. E me fui. As pessoas não são como um amontoado de coisas na nossa memória, como para Funes. As pessoas vivem em nossa memória. Hoje, comi salada com atum (que nunca gostei). Por coincidência (ou não) levava morangos, mostarda e alface. Nos juntamos e comemos. Esse é o momento do preparo. O americano Arns ajudou a bater o creme da sobremesa com "fresas". Dessa vez,peguei o celular de todo mundo. Assim, a gente vai mudando nossos olhos de dentro.

CRONICA ACERCA DE UM RESTAURANTE

Carmélia Aragão

Onde se passou a história. 11/09/2014
para Marcos, Helena, Ticiana e Javier.


Faminta. Entrei no restaurante. Encontrei a porta dos fundos semiaberta. Javier estava fumando. Bati palmas. Não escutou.
_Javier, qué haces ahí?
_Yo que te pregunto!!! Cómo entraste?
_Por la puerta...- E pensei: ué, o lógico não é entrar pela porta?
Olhei para trás. Havia caminhando por um restaurante escuro com uma placa enorme na frente que dizia: CERRADO. O mais intrigante é que o señor se pôs nervoso como se tivesse sido pego de cuecas por alguém completamente estranho. Sim, eu era a estranha. Completamente.
-Perdón... Pero, tengo hambre. Tomé solo el desayuno por la mañana...
Javier me olhava incrédulo. O restaurante fechado. Os empregados tinham ido embora. Atirou o cigarro longe. E começou a falar com todos os fonemas que eu tinha aprendido na aula de espanhol da Espanha. Javier era de Aragón, de onde talvez tenham vindo meus antepassados. Bem, as informações que pude extrair foram estas: A cozinha está fechada. Não temos almoço. Não sei o que fazer.
Na verdade, existe uma coisa que tenho aprendido desde o primeiro dia em que pisei em Montevideo: o uso da minha licença. É um tipo de licença que só é concedida a crianças muito pequenas, velhos e estrangeiros. Por exemplo, como andar na rua com roupas cujas cores não combinam, mas ninguém vai recriminar, porque você é estrangeiro e talvez não saiba que está ridículo. Como no dia em que, no Rio, encontrei um amigo argentino, um senhor de mais de 60 anos, muito respeitável ator e diretor de teatro, vestido de terno e com uma “canga de praia” enrolada no pescoço. Não uma bufanda. Não uma echarpe. E mesmo que todo artista seja excêntrico: “canga de praia” se usa na praia. Mas ninguém se importou. Nem eu perguntei. 
O que eu fazia a Javier era exatamente o que eu fazia com a moça da loja de ferragens, e também com a da lavanderia, a da imobiliária, sem esquecer o motorista de ônibus, o recepcionista do hotel, o porteiro do prédio, todo e qualquer transeunte que me atravessasse o caminho. Estava exercendo, até as últimas consequências, minha licença estrangeira. Em nada se parece com o que li. Nem Sartre. Nem Camus. Nem Calvino. Nem Arenas perambulando pelas ruas de Nova York. Nem Kafka. Nem Kristeva. Não é da língua que sinto falta. É da vida que não ocorre. Saio em busca de tropeços, a catar pedaços, diálogos, e a tentar fazer, desesperadamente, desses encontros, ao menos, uma licença poética. Para quem está ali, na minha frente, e que depois retomará ao seu todo. O todo que me falta agora. Ou para mim mesma.
Ao perceber que não sairia de seu restaurante sem um pedaço de alface, Javier me levou até a mesa onde costumo sentar todos os dias, ao lado da enorme janela de vidro que ilumina o salão. No te muevas.Voltou com uma empanada gallega. Fria de geladeira. Hechuga, tomato, aceite, sal, pan, un vaso de água. Depois de me ver devorar tudo, ainda trouxe café y postre.
_ Qué hiciste durante el dia para no comer?
_ Trabajava en mi presentación para el curso que estoy haciendo en la Universid...

Ele riu. Não sei se pela minha agitação de ter passado o dia visivelmente envolvida em pensamentos abstratos ao ponto de esquecer-me de comer. Ou se pelo o espanhol que agora estou transcrevendo e que, naquela situação, também lhe soava desastroso. Imagino que se ria mesmo por lembrar que, um dia, uma pessoa também lhe oferecera um prato de comida durante um súbito ataque de licença estrangeira. Enfim. Cobrou-me menos que o habitual. Abriu a porta, tocou-me o ombro e disse: Hasta mañana!

Montevideo,11/09/2014.

Sobre o dia 20 de agosto: a chegada.







Na madrugada do dia 20, quando cheguei à Montevidéu, o avião não teve permissão de pouso. A viagem em si não é tão solitária, as luzes de outras cidades nos acompanham. Mas com a ordem da não aterrissagem, ficou escuro. Acho que sobrevoávamos o mar em círculos. Ainda houve alguém que perguntasse se entre nós havia algum candidato à presidência...que humor! Nos dois dias que se seguiram, estava Montevidéu assim, ensolarada. É a primeira vez que saio do país.

OBS: não era o mar,era um rio enorme.

domingo, 6 de abril de 2014

Sobre o dia 16 de fevereiro de 2014.






Ná,
Sempre imaginei que teria você, assim, ao alcance da minha mão. Uma vida inteira. Beijar-lhe a testa; olhar seus dedos fininhos e você rir dos meus, tortos; cheirar seu lençol; ver você dormir. Por mais que o tempo tenha passado, eu imaginava que seria assim. Uma vida inteira. Mas só agora percebo, enquanto te escrevo que assim pensam as crianças. Para elas, tudo aquilo que é agradável e prazeroso vem de uma fonte inesgotável, infinita, sempre ao alcance das mãos.  As crianças não tem noção de finitude. Eu cresci, mas minha cabeça ainda parece estar naquele dia em que você me chamou para ouvir uma música no seu walkman. Sabe, naquele dia, eu me senti a pessoa mais importante do mundo, você, uma moça, estava dividindo comigo uma porção do seu mundo adulto e que, dali em diante, passou a me constituir: a música. Depois, foram os livros: Amor nos tempos do Cólera e Cem anos de Solidão. Nunca esqueci. Aliás, você gostava da minha memória e me pedia para repetir canções, poemas, textos. Mas, hoje, minha cabeça se perde em distâncias. E tenho a impressão de que pouco fica. Muito pouco. Ao contrário de você. Ontem, passei em frente a sua escola. E vi a faixa com o seu nome. Foi lindo. Acho que vou contar pra todo mundo aqui ou para onde eu for. Acho que essa é a minha missão agora. Contar que é possível amar sobre todas as coisas. Amar simplesmente. Você veio e nos disse isso.
 Te amo
Carmélia.

Rio, 21 de fevereiro de 2014.

POLÍTICAS PÚBLICAS E LITERATURA


POLÍTICAS PÚBLICAS E LITERATURA
(OU QUESTÕES DE (RE)PRESENTAÇÃO)

Carmélia Maria Aragão[1]

Resumo: A partir do conceito de representação (o ato de assumir o lugar do outro numa acepção política da palavra) e re-presentação (o ato de performance ou encenação da fala) tratado por Spivak (2010) com o objetivo de pensarmos a Literatura como promotora de espaços dialógicos no combate à subalternização. Contextualizaremos a proposta de Spivak com o debate levantado por Martha Nussbaum (1995) sobre a importância da imaginação literária na vida pública, que traz a literatura como ferramenta principal para o desenvolvimento político e social.
Palavras-chaves: Literatura; (re) presentação; subalternidade; espaço dialógico; imaginação.
Resumé: À partir de la notion de représentation (l'acte de prendre la place d'un autre dans le sens politique du terme) et la re-présentation (l'acte de performance ou de la mise en scène de la parole) abordée par Spivak (2010) afin de réfléchir sur la littérature comme élément promoteur d'espaces dialogiques dans la lutte contre la subordination.  On fera une contextualisation de la pensée de Spivak  avec le débat soulevé par Martha Nussbaum (1995) sur l'importance de l'imagination littéraire dans la vie publique, ce qui met en évidence la littérature comme le principal outil de développement politique et social.
Mots-clés: Littérature; (re)présentation; subordination; espace dialogique; imagination



Não foi somente a discussão sobre a postura do intelectual levantada por Spivak no livro (ou artigo) Pode o subalterno falar?(2010)[2], no original, Can the subaltern speak? (1988), que me levou a procurá-la como teórica; a resposta que poderia advir dessa questão, fez-me refletir como pesquisadora. Quem trabalha na área de estudos culturais e pesquisa sobre minorias étnicas ou determinados grupos postos à margem já se fez essa pergunta, como também já questionou seu próprio lugar de fala ao lado dessas pessoas ou na frente da Academia.  Tratarei aqui dessas questões e colocarei minhas dúvidas e propostas. Mas antes, é preciso dizer que: não, o subalterno não pode falar.
A abordagem da subalternidade foi tratada no livro a partir da questão sacrifício das viúvas na Índia, um ritual chamado sati. Spivak descreve duas formas de discurso criadas em torno dessas mulheres sacrificadas. O primeiro é opressão da própria tradição hindu que torna a mulher um objeto do marido. O segundo está na literatura de língua inglesa, com o olhar displicente homogeneizante acerca daqueles que não faziam parte da elite colonizadora. Os nomes das viúvas sacrificadas, muitas vezes, não eram grafados na pira do sacrifício, ou os poucos que foram, perderam-se na violência epistêmica de uma tradução suja, virando um folclore sobre aqueles seres exóticos. Para a autora, esses dois discursos formam uma parede onde se encerra o subalterno, no caso, a viúva indiana que nunca pôde reivindicar seu lugar de fala.
A partir desta ilustração, Spivak alerta para o perigo de se construir o outro e o subalterno apenas como objeto de conhecimento por parte dos intelectuais que almejam meramente falar pelo outro. Ela critica a postura do intelectual do “terceiro mundo” que recorre às matrizes teóricas, no caso, europeia e, ao fazer isso, é “cúmplice[3]” do discurso hegemônico, pois as estruturas de poder e opressão vão sendo apenas reproduzidas, mantendo o subalterno silenciado, sem lhe oferecer uma posição, um espaço onde possa falar, principalmente, no qual possa ser ouvido.
Antes de utilizar o exemplo do sati, Spivak faz uma longa crítica à matriz europeia francesa, especificamente, a Foucault e Deleuze.
“Argumentarei em favor dessa conclusão considerando um texto de dois grandes expoentes dessa crítica: ‘Os intelectuais e o poder: conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze’. [...] ambos os autores ignoram sistematicamente a questão da ideologia e seu próprio envolvimento na história intelectual e econômica.”
(SPIVAK: 2012, 26-27).
A Índia e o Brasil hoje estão juntos na classificação econômica, fazem parte do bloco dos “países emergentes” com grande potencial de consumo: os BRICS. No passado, também fomos colonizados e também sofremos perdas irreparáveis. No entanto, as consequências do colonialismo na Índia ou na China, que são culturas já estabelecidas e têm seus fundamentos baseados em várias hierarquias e tradições, ocorreram de uma forma que leva Spivak, hoje, a traçar uma linha de pensamento sociológico ou filosófico para desenvolver sua abordagem da subalternidade pertencente ao contexto que lhe cabe como hindu. No Brasil, o processo de colonização misturou de tal forma, colonizador e colonizado, a partir do extermínio das populações locais, por exemplo, e, cujas consequências, por muitas razões, não nos levaram a uma abordagem da subalternidade hoje, da mesma forma que Spivak e a crítica pós-colonial[4].
Como falei no início, não foi somente a crítica sobre a postura do intelectual diante do Outro que me chamou no texto de Spivak, foi principalmente a distinção do termo “representação”. A autora nos traz dois sentidos dessa palavra em alemão – Vetretung e Darstellung: o primeiro, se refere ao ato de assumir o lugar do outro numa acepção política da palavra, e o segundo, a uma visão estética que prefigura o ato de performance ou encenação. Na análise de Spivak, há uma relação intrínseca entre o “falar por” e “re-presentar”, pois, em ambos os casos, a representação é um ato de fala em que há a pressuposição de um falante e de um ouvinte. Com isso, Spivak aponta para a tarefa do intelectual pós-colonial que deve ser a de criar espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele o faça, possa ser ouvido.  Para ela, não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar contra a subalternidade.
Na arte, mais especificamente, na Literatura, os espaços dialógicos, de representação e re-presentação emergem de forma mais clara. A voz dos seres colocados à margem surge impressa em livros, folhetos, vídeos, reivindicando, ou seja, traçando sua identidade, seu modo de ver e viver o mundo ao redor, redescrevendo-se[5]. De imediato, lembro-me de Férrez e do livro Capão do Diabo (2000). De uma forma ou de outra, a Literatura pode colocá-lo em um espaço de diálogo onde ele fala e é ouvido, onde ele representa a voz da periferia de São Paulo e, ao mesmo tempo, coloca-a em cena (re-presentando-a).
No entanto, no dia 08 de outubro, na abertura da Feira do livro de Frankfurt, a maior feira literária do mundo, o escritor brasileiro Luiz Ruffato chocou as autoridades locais e a delegação brasileira presente no evento com um duro discurso sobre as desigualdades do Brasil. Entre tantos exemplos e algumas experiências, a fala de Ruffato, além de ser polemicamente recente, também se direciona ao ponto onde quero chegar para justificar o título deste texto e cujo tema é Literatura e políticas públicas.
Primeiramente, o escritor se coloca como alguém que produz literatura na periferia do mundo, em um país cuja língua não tem grande alcance, e que, ironicamente, escreve para um número, cada vez mais, restrito de leitores dentro de seu próprio território. Ruffato chama atenção para nossa incapacidade de nos colocar no lugar do outro, diz que vivemos o dilema do ser humano que é o de lidar com a dicotomia eu/outro. Uma vez que a afirmação de nossa subjetividade se verifica através do reconhecimento do outro, é a alteridade que nos confere o sentido de existir. Porém o outro é também aquele que pode nos aniquilar. E, mais à frente, no último parágrafo[6], o autor toca no ponto, no qual muitos dos que estão aqui, que escolheram o caminho não tão economicamente rentável das humanidades acredita: no papel transformador da literatura. De origem humilde, o escritor poderia ter o mesmo destino dos que estavam com ele, o de permanecer, mas encontrou na literatura a possibilidade de um espaço dialógico pela sua capacidade de autocriação.
“Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual– como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora”.
No entanto, com exemplos citados de Luiz Ruffato ou de Férrez podemos nos perguntar: e se levássemos esse “poder transformador” da Literatura para todos? Em primeiro lugar, não vamos pensar que ao entramos em contato com a literatura todos seremos escritores, poetas ou filósofos e assim, construiríamos um mundo melhor. Em segundo lugar, não podemos acreditar cegamente em um “poder transformador”, nos tornaríamos fundamentalistas. Como se disséssemos, parodiando o maravilhoso Augusto Matraga: “a literatura tem que mudar as pessoas nem que seja a porrete”. Quer dizer, a Literatura passaria a servir a um projeto, a um único objetivo, erro comentido pelos regimes totalitários e cujas consequências são desastrosas.  
O que podemos fazer é uma aposta[7] na qual podemos ganhar ou não. Porque Literatura é arte. E como toda obra de arte, ela é uma experiência estética tanto para quem faz como para quem recebe. E, contraditoriamente, por não ter nenhum objetivo, por “não servir para nada”, que ela rompe a mecânica do cotidiano, criando espaço à contingência, para o poder da autocriação, por meio de algo que pode nos parecer banal: a imaginação.
Leio há algum tempo sobre políticas de desenvolvimento humano. A política de desenvolvimento humano[8], segundo o próprio idealizador, Amartya Sen, foi pensada a fim de propiciar o exercício das liberdades, dando aos indivíduos a possibilidade de escolher a vida que gostaria de levar. Ou seja: uma sociedade que investe em educação, cultura, saúde, segurança, permite ao indivíduo a capacidade de pensar por si e de se empenhar por uma vida boa. E a literatura, onde apostamos nossas fichas, encontra lugar neste paradigma.
A teoria de Sen pensa a cultura de duas formas. A primeira como um setor cultural que agrupa as atividades e produtos derivados dessas atividades artísticas e criativas. Ele ressalta que a criatividade é vista como a principal alternativa para o desenvolvimento humano e social. Sen discorda da ideia dos paradigmas econômicos anteriores que valorizavam a criatividade voltada apenas para a economia e a tecnologia. A segunda forma de pensar a cultura, para ele, está sob a perspectiva socioantropológica de que a cultura não se restringe apenas a produção artística, mas representa também um conjunto de valores que estão presentes em todas as interações sociais. Quer dizer: “Toda atividade humana é a expressão de uma cultura que a atravessa e é esta que nos permite dar sentido e valor às atividades humanas em termos relativos[9]”.
Para Martha Nussbaum[10], filósofa norte-americana e companheira de Sen em sua abordagem das capacidades. Ela acredita que seria necessária uma lista de funcionamentos ou de propriedades essenciais que, juntamente com Sen, transformaram-se na lista das “capacidades humanas básicas” que, resumidamente, são: vida; saúde; integridade física; sentidos, imaginação e pensamento; emoções; razão prática; afiliação; outras espécies; jogo; e controle sobre o seu entorno[11].
Segundo Nussbaum investir nas humanidades é investir em seres humanos, homens e mulheres, capazes de refletir sobre seu papel como cidadão.  Nussbaum aposta na imaginação como a capacidade que devemos desenvolver para criar esses indivíduos. Porque a imaginação[12], como capacidade, move-nos a pensar a partir do lugar do outro, ajuda a sermos um leitor de vidas, compreendendo emoções, angústias, aspirações, desejos do outro em determinadas situações. É dessa forma que podemos tirar a Literatura da esfera privada e levá-la para a esfera pública.
Portanto, ao reconhecer a imaginação como uma capacidade humana básica, deve-se trabalhar para que todos possam usufruir dela, da mesma forma que a saúde é também uma capacidade humana básica e se trabalha na implementação de políticas públicas de acesso a programas de medicina preventiva, por exemplo. No caso da imaginação são as políticas públicas de acesso ao livro, à leitura literária, a cultura, tudo que possa estimulá-la. Porque só assim poderemos ouvir vozes dissonantes como o discurso de Luiz Ruffato e a voz de tantas outras pessoas que conhecemos, que estão ao nosso lado sem tribuna, sem microfone, plateia, mas que se colocam em cena.
 Para acessar: 
http://www.gtpragmatismo.com.br/redescricoes/redescricoes/ano5_01/ano5_01.pdf

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
CALDER, Gideon. Rorty e a Redescrição. Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: UNESP, 2006.
CHAVEL, Simone. “L'utilité sociale des humanités”in http://www.laviedesidees.fr/L-utilite-sociale-des-humanites.html, 01/06/2013.
GUARÍN, Sergio. “Reflexiones sobre indicadores de leitura” in texto produzindo a pedido do CELALC em 04/09/2012.
NUSBAUM, Martha, “La imaginación literaria en la vida pública” In ISEGORÍA: Revista de Filosofía Moral y Política  nº 11, 1995, p.42-80.
________. Las fronteras de  la justícia: consideraciones sobre la exclusión.Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2007.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. Trad. Antônio Felipe Marques. Edições 70: Lisboa, 2008.
RUFFATO, Luiz in “Discurso de aberto da Feira de Frankfurt”, 08 de outubro de 2013, acessado: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463,0.htm

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goulart de Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa –Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010


[1] Carmélia Aragão faz doutorado na PUC - Rio pelo programa de pós- graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade. É também bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico/FUNCAP. Email: carmelia.aragao@gmail.com

[2] “O artigo ‘Pode o Subalterno falar? ’, foi publicado primeiramente em 1985, no periódico Wedge, com subtítulo “Especulações sobre o sacrifício das viúvas”, recebeu notória repercussão, principalmente após ter sido publicado, em 1998, na coletânea de artigos intitulada Marxism and Interpretation of Culture (...)”. (ALMEIDA, Sandra Regina Goulart de. In SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goulart de Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa –Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010; p. 12)
[3] “Diante da possibilidade de o intelectual ser cúmplice na persistente constituição do Outro como a sombra do Eu [Self], uma possibilidade de prática política para o intelectual seria por a economia sobre rasura, para perceber como o fator econômico é tão irredutível quanto reinscrito no texto social.” (SPIVAK: 2012, 59-60).

[4] Paulo Freire já fazia uma abordagem da subalternidade, na década de 70, referindo-se ao “oprimido” ou ao “desenraizado” como aqueles que não possuem nenhuma autoridade semântica.
[5] Redescrição é o termo utilizado por Richard Rorty para questionar os discursos legitimadores sobre a existência de uma forma verdadeira (única) de se conceber (dizer) o mundo.

[6] (RUFFATO, Luiz in “Discurso de aberto da Feira de Frankfurt”, 08 de outubro de 2013), acessado: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463,0.htm
[7] O termo Aposta  aqui pertence ao contexto utilizado por Marcel Mauss em Ensaio sobre a Dádiva. Para ele sem a aposta, não existiria o dom e, portanto, não haveria sacrifício, gratuidade, generosidade e, muito menos, liberdade.
[8] GUARÍN, Sergio. “Reflexiones sobre indicadores de leitura” in texto produzindo a pedido do CELALC em 04/09/2012.

[9] Idem.
[10] CHAVEL, Simone. “L'utilité sociale des humanités” in http://www.laviedesidees.fr/L-utilite-sociale-des-humanites.html, 01/06/2013.
[11] Tradução minha de NUSSBAUM, Martha. Las fronteras de la justícia: consideraciones sobre la exclusión. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2007.
[12] NUSBAUM, Martha, “La imaginación literaria en la vida pública” In ISEGORÍA: Revista de Filosofía Moral y Política  nº 11, 1995, p.42-80.